quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Aula 1: INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

O ensino de interpretação de texto nas escolas ainda está apoiado em concepção fundacionista sobre texto e sobre ensino. Tal concepção acredita que o texto possua uma natureza específica e que a interpretação verdadeira envolva a tentativa de esclarecer de algum modo a essência textual. Defende ainda a noção de que exista uma intenção do texto. Ora, se continuarmos a valorizar postura ocultista sobre textos, é melhor transformar nossas aulas em seminários sobre Peirce e Semiótica, pois conforme a sugestão de U.Eco, seguidor de Peirce, "reconhecer a intentio operis é reconhecer uma estratégia semiótica".
Assim sendo, nossas aulas se limitam a apresentar CHAVES para que o aluno, diante do vestibular, penetre na essência do texto. Tais chaves recebem nomes, como, coerência, coesão, antíteses, ambigüidades, implícitos, anáforas, entre outros. O ocultismo é tão grande que o principal livro de interpretação de texto chama-se: "DESVENDANDO OS SEGREDOS DO TEXTO". Dessa forma, interpretar não é tarefa a qualquer mortal. É um milagre.
Ora, devemos desconfiar da idéia estruturalista de que saber mais sobre os "mecanismos textuais" represente o sucesso do aluno. O importante é conduzi-lo a perceber que ler textos é, sobretudo, uma questão de lê-los à luz de outros textos, pessoas ou informações; é o resultado de um confronto com um autor, personagem, estrofe ou verso. Esta aula sobre o texto usa o autor ou o texto não como busca à intentio operis, mas como ocasião para abandonar uma resposta anteriormente aceita, ou para dar um outro tom a uma história já contada. INTERPRETAR, não significa carregar chaves verdadeiras. INTERPRETAR É PENSAR.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Carnaval e Quarta-feira de cinzas

Do latim temos a expressão carnelevamen, a qual nos remete aos prazeres da carne. Deonísio da Silva nos diz "antes de o Carnaval ser a festa que é, chavama-se entrudo (do latim introitu, entrada), porque aqueles três dias são a porta de entrada para a Quaresma."
Não podemos, porém, esquecer que os italianos chamam a Semana Santa de Settimana Grassa, e, consequentemente, a quarta-feira de martedí grasso, deixando-nos a idéia de que o tempo é, sobretudo, gorduroso. Cinzas sobre a cabeça gordurosa.
Não nos esqueçamos, igualmente, do viajante Charles Dent, que, ao presenciar o carnaval de 1884, considerava perplexo: "todo mundo parecia ter perdido a cabeça".
Todavia, fiquemos com o mestre MACHADO DE ASSIS, segundo o qual "Carnaval é o momento histórico do ano. Paixões, interesses, mazelas, tristezas, tudo pega em si e vai viver em outra parte"(A SEMANA, 16 de fevereiro de 1896).

Assim sendo, ocupemo-nos da Quarta-feira. Esta à porta!
Não vos peço que não ameis o carnaval, pois sei que amais; mas só que reconheçais a Quarta-feira de Cinzas, porque sei que não reconheceis.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Carnaval e Febre Amarela em Machado de Assis.

"Ei-lo que chega...Carnaval à porta!...Diabo! aí vão palavras que dão idéias de um começo de recitativo ao piano; mas outras posteriores mostram claramente que estou falando em prosa; e se prosa quer dizer falta de dinheiro (em cartaginês, está claro) então é que falei como um Cícero.
Carnaval à porta. Já lhe ouço os guizos e tambores. Aí vêm os carros das idéias...Felizes idéias, que durante três dias andais de carro! No resto do ano ides a pé, ao sol e à chuva...Mas lá chegam os três dias, quero dizer os dois, porque o de meio não conta; lá vêm, e agora é a vez de alugar a berlinda, sair e passear.
Nem isso, ai de mim, amigas, nem esse gozo particular, único, cronológico, marcado, combinado e acertado me é dado saborear este ano. Não falo por causa da febre amarela; essa vai baixando. As outras febres são apenas companheiras...Não; não é essa a causa.
(...) -Falta-me prosa..."(Bons Dias, 27 de fevereiro de 1889).


Há, com certeza, muitas coisas a pensar sobre esta crônica. O que se pretende, neste espaço, é mostrar um texto machadiano carregado de 'agoras' ou antecipando nossos dias: carnaval

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O menino é o pai do homem

Senhores:

Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho de nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de nossa instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança.”


TEXTO PROFERIDO NA INAUGURAÇÃO DA ABL 20/7/1897PEQUENO TEXTO E INFINIDADES DE INFORMAÇÕES E SUGESTÕES AO NOSSO TEMPO! OU NÃO!

O jovem e Machado de Assis 3

O jovem tímido, como a própria vida do mestre, desceu seus lábios sobre a mão do escritor; Inclinou seu coração ao aconchego da mão do mestre que, à beira da morte, não mostrava angústia. Enquanto a mão do mestre tocava-lhe o peito, o capítulo XXVI de Esaú e Jacó invadia o quarto com a lição que selaria aqueles dois homens que calados se contemplavam: “Era a paz perpétua; mais tarde viria a perpétua amizade”. Na rua, alguém a perguntar: - Onde encontrar a sabedoria?

Respondia, com o coração ardente, -No quarto de Machado de Assis. E ao perguntarem sobre o que presenciou sobre a morte, não omitiu as palavras do cronista ao seu ouvido: “A monotonia é a morte. A vida está na variedade”(A SEMANA, 18/5/1893). Indagavam outros: - E a morte de Machado? Respondia:
–”Nem era morrer; era um gesto de chapéu, que se perdia no ar com a própria mão e a alma que lhe dera movimento. Um cochilo”
Eis a lição sobre a morte, a morte de Machado de Assis.

O jovem e Machado de Assis 2

Na noite em que faleceu Machado de Assis, um jovem desconhecido, ao entrar no quarto do doente, não emitiu palavras, lembrando a crônica do mestre de 13/12/1896, na qual o cronista dizia “eu poupo as palavras”; não viu uma paisagem fúnebre naquele quarto; antes, lembrou-se do cronista de “Uma Semana”, segundo o qual “só a beleza intelectual é independente e superior. A beleza física é irmã da paisagem”.
Enquanto alguns companheiros de Machado viam os últimos suspiros, o jovem tímido abstraía, pelo menos, duas lições fundamentais, a saber, a origem da sabedoria e a concepção de morte. Quanto à primeira, não percebeu ali uma sabedoria cunhada pelo Livro de Jó, isto é, proveniente do sofrimento; ao contrário, veio-lhe à mente as palavras em ‘Memorial de Aires, 24 de agosto de 1888′: “Tudo é fugaz neste mundo. Se eu não tivesse os olhos adoentados dava-me a compor outro Eclesiastes , à moderna, posto nada deva haver moderno depois daquele livro. Já dizia ele que nada era novo debaixo do sol”

O jovem e Machado de Assis l


Na noite em que faleceu Machado de Assis, reuniam-se, na sala principal, alguns poucos nomes, entre os quais, Coelho Neto, Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo Correia e Rodrigo Otávio.
Surpreendentemente, ouviram-se lentas pancadas na porta principal da casa. Abriram-na. Não era um grande nome da época. Um adolescente, aproximadamente 18 anos. Tímido. Não era conhecido por ninguém ali. Na verdade, não conhecia o próprio dono da casa, senão pela leitura de suas crônicas e outros textos. O certo é que o jovem foi conduzido por uma boa alma ao quarto do doente. Entrou. Não disse uma palavra. Simplesmente, ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre; beijou-lhe ternamente. Em sinal de gratidão singular, levou-a mansamente ao peito. A mão do mestre tocou-lhe o peito juvenil. Sem dizer uma palavra, levantou-se e saiu. O mestre levou o encanto do rapaz, este carregou pelas ruas e pela vida o canto do mestre. José Veríssimo, comovido, perguntou-lhe o nome: Astrojildo Pereira. Um moço que estava representando todo o desejo de nossa geração.