quarta-feira, 7 de novembro de 2012

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Hugo  Grócio:  “Duas  Palavras”

 

   A  leitura  acerca  de   Hugo  Grócio  pode  nos  trazer  indagações, como,  por  que  ler  esse  clássico  nos  nossos  dias?  É  fundamental  recuperar   uma  obra  de  quem  viveu  entre 1583  e  1645? É  necessário   recorrer  a  obras  que  foram  historicamente  organizadas  pela  humanidade? É  útil  retomar,  em  plena  sociedade  tecnológica,   um  autor   cujo pensamento   ainda se  voltava  a  excluir  a  tentativa  escolástica  de  fundamentar  o  Direito por  meio  de  proposições  teológicas?  A  resposta  a  essas  perguntas    faz  sentido  se  o  estudante  de  Direito   estiver  interessado  em  atualizar   as  reflexões,  sobretudo,  naquilo  que  transcende  os  limites  do tempo, no  que  instaura  atualidade   e  nos  traz  encantamento,  a  saber,  o  papel  da  Filosofia  do  Direito   no  debate  acerca  dos  direitos  humanos,  direitos  fundamentais, convivência humana,  direito  público  subjetivo, direitos  naturais,  liberdades  públicas,  direitos  individuais  e  direito  fraterno.

   A  princípio,   é  ponto  significativo  desmanchar  engano   quanto à  importância  de  Grócio. Fê-lo  Miguel Reale1 ao  afirmar  que  antes  de Hugo  Grócio  não  se  poderia falar  em  Filosofia  do  Direito  em  sentido  próprio, pois  é  com  o  livro  O  direito  da  guerra e  da  paz (1621)  que  encontramos  o  primeiro  tratado  autônomo  de  Filosofia  do  Direito.  Assim  sendo,  torna-se  importante  destacar   um  elemento  essencial    a  fim  de   esclarecer  essa  relação  com   a   filosofia,  qual  seja,  o  papel  da  justiça. Em  Grócio,  a  justiça  torna-se  o  fundamento  do  Direito,  o  fundamento  do  mundo  ético. Ela   é  entendida  como  um  sentimento  natural,  espontâneo,  que  estaria  presente   ainda  que   por  sacrilégio  se   negasse   a  existência  de  Deus.  Compreende, pois,  o  direito  subjetivo  como “qualidade  moral,  ligada  ao  indivíduo,  para  possuir  ou  fazer  de  forma  justa  alguma  coisa”.   Tal  pensamento  se   atualiza   na medida  em  que  a  cada  instante   sentimos   a  necessidade   de   garantir  autonomia   à  Filosofia   do  direito.

   Outrossim,  Grócio   pode  ser  considerado   autor   pioneiro  da  Filosofia do Direito  moderna  se   estendermos  a  ele   a   explicação  de  Telles  Jr.2  - Duas  Palavras -  sobre   a   Filosofia  do  Direito,  isto  é,  a  reflexão  aprofundada  sobre os  princípios  daquilo  que  se  originou   na  sociedade  humana,  a disciplina  da  liberdade, o  regulamento  do  dever  e da  responsabilidade   e,  de  modo  especial,   a  disciplina  da  convivência  humana.   O  Filósofo  do Direito,  prossegue,   não  se  adstringe  à  explicação  da  ordem  jurídica,  mas  se  empenha  em  compreendê-la.  Isto  posto,  vem  muito  a  propósito  o  ensino    de   Grócio  sobre  o  Direito,  qual  seja,   a  preocupação  do  Direito  não  deve ser  apenas    o  da  ordem ,  mas  sim  o  da  ordem  justa.  De  igual  modo,   a  lição  sobre    a  natureza  humana.   O  homem    é  um  animal  dotado  de  inclinação  consciente à  vida  social.  Entretanto,  o problema  do  homem  não  está  em  viver,  mas  sim  em   viver  bem.  Daí   resulta  que  uma  lei    será  justa  quando  efetiva  uma  ordem  adequada  à  racionalidade  humana.

   A  atualidade   de   Grócio   deve  ser  vista,  finalmente,  na  visão  sobre  o  Estado.  O  autor  não  subordina  a  convenção  que  reconhece   os  direitos  do  homem ao  nascimento  do  Estado. Os  indivíduos  dispõem  de  um  direito natural  de  resistência, necessário  para  repelir  as  injustiças  das  quais  são  vítimas, entre  elas,  aquelas  que  ferem   a  dignidade  humana.  Essa  reflexão  dialoga   com   os  nossos  dias   se  levarmos  em  conta,  por  exemplo,   a  tese   de  Pozzoli 3,  segundo  o  qual,  em  se  tratando  de  dignidade  humana, “é  fácil  identificar  seu  critério  subjetivo,  já que   cada  ser humano  possui  sua  própria  dignidade,  não  perante  o  Estado,  mas  perante  sua  sociedade,  o  que assim,  passa  a ter  a  dignidade humana  o  valor  em  ‘pé  de  igualdade’  à  vida  do  homem”.   A  reflexão  de  Grócio  de  libertar  o homem  das  amarras  que  o  cercam  pode   se  sistematizar,  verdadeiramente,  no  papel  da  Filosofia  do  Direito   se  elegermos  o  Direito Fraterno  como   o  sustentáculo  capaz  de  garantir  a  efetiva igualdade  entre  as  pessoas,  eliminando,  conforme   Pozzoli,   o  direito à  igualdade  baseado   em um  poder  soberano,  a quem  todos  estão subordinados, porque  o  direito à  igualdade  deixa  de  ser  efetivo  em  decorrência  das  desigualdades  que  ele mesmo  impõe. 

    Em suma,   indagações  sobre  quem    o  quê,  em  quais  condições  e  com  qual  efeito  conectam as  preocupações  do  passado  ao  presente.  É    imprescindível   valorizarmos     a  concepção  de   leitura  ou  o  significado  de  ler.  Goethe, célebre poeta alemão -  autor  de  Fausto -  declarou: “Ler é  a  mais  difícil das  artes”,  pois, a princípio,  devemos  selecionar  os  autores pelo conteúdo  da  obra  e  pela  correção  da  linguagem; depois,  ler  com  atenção,  sem  pressa.  Eis   por  que   se  deve  ler   Hugo Grócio.

 

1. Reale, Miguel. Horizontes do direito e da história. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1977.

2- Telles Jr.  Duas  Palavras. In:  O que é filosofia? Barueri, SP: Manole, 2004.

3- Pozzoli, Lafayette; Fernandes da Cruz, A. Augusto.  Princípio Constitucional da dignidade  humana e  o direito fraterno.    Trabalho publicado nos Anais  do XIX Encontro Nacional do CNPEDI, 2010.

 

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