Hugo Grócio: “Duas
Palavras”
A leitura acerca
de Hugo Grócio
pode nos trazer
indagações, como, por que
ler esse clássico
nos nossos dias?
É fundamental recuperar
uma obra de
quem viveu entre 1583
e 1645? É necessário
recorrer a obras
que foram historicamente organizadas
pela humanidade? É útil
retomar, em plena
sociedade tecnológica, um
autor cujo pensamento ainda se
voltava a excluir
a tentativa escolástica
de fundamentar o
Direito por meio de
proposições teológicas? A
resposta a essas
perguntas só faz
sentido se o
estudante de Direito
estiver interessado em
atualizar as reflexões,
sobretudo, naquilo que transcende os
limites do tempo, no que
instaura atualidade e
nos traz encantamento,
a saber, o
papel da Filosofia
do Direito no
debate acerca dos
direitos humanos, direitos
fundamentais, convivência humana,
direito público subjetivo, direitos naturais,
liberdades públicas, direitos
individuais e direito
fraterno.
A princípio, é
ponto significativo desmanchar
engano quanto à importância
de Grócio. Fê-lo Miguel Reale1 ao afirmar
que antes de Hugo
Grócio não se
poderia falar em Filosofia
do Direito em
sentido próprio, pois é
com o livro O
direito da guerra e
da paz (1621) que
encontramos o primeiro
tratado autônomo de
Filosofia do Direito.
Assim sendo, torna-se
importante destacar um
elemento essencial a
fim de esclarecer
essa relação com
a filosofia, qual
seja, o papel
da justiça. Em Grócio,
a justiça torna-se
o fundamento do
Direito, o fundamento
do mundo ético. Ela
é entendida como
um sentimento natural,
espontâneo, que estaria
presente ainda que
por sacrilégio se
negasse a existência
de Deus. Compreende, pois, o
direito subjetivo como “qualidade moral,
ligada ao indivíduo,
para possuir ou
fazer de forma
justa alguma coisa”.
Tal pensamento se
atualiza na medida em
que a cada
instante sentimos a
necessidade de garantir
autonomia à Filosofia
do direito.
Outrossim, Grócio pode
ser considerado autor
pioneiro da Filosofia do Direito moderna
se estendermos a
ele a explicação
de Telles Jr.2
- Duas Palavras - sobre
a Filosofia do
Direito, isto é,
a reflexão aprofundada
sobre os princípios daquilo
que se originou
na sociedade humana, a disciplina
da liberdade, o regulamento
do dever e da responsabilidade
e,
de modo especial,
a disciplina da
convivência humana. O
Filósofo do Direito, prossegue,
não se adstringe
à explicação da
ordem jurídica, mas
se empenha em
compreendê-la. Isto posto,
vem muito a
propósito o ensino
de Grócio sobre
o Direito, qual
seja, a preocupação
do Direito não
deve ser apenas o
da ordem , mas
sim o da
ordem justa. De
igual modo, a
lição sobre a
natureza humana. O
homem é um
animal dotado de
inclinação consciente à vida
social. Entretanto, o problema
do homem não
está em viver,
mas sim em
viver bem. Daí
resulta que uma
lei só será
justa quando efetiva
uma ordem adequada
à racionalidade humana.
A atualidade de
Grócio deve ser
vista, finalmente, na
visão sobre o
Estado. O autor
não subordina a
convenção que reconhece
os direitos do
homem ao nascimento do
Estado. Os indivíduos dispõem
de um direito natural de
resistência, necessário para repelir
as injustiças das
quais são vítimas, entre elas,
aquelas que ferem
a dignidade humana.
Essa reflexão dialoga
com os nossos dias
se levarmos em
conta, por exemplo,
a tese de
Pozzoli 3,
segundo o qual,
em se tratando
de dignidade humana, “é
fácil identificar seu
critério subjetivo, já que
cada ser humano possui
sua própria dignidade,
não perante o
Estado, mas perante
sua sociedade, o que
assim, passa a ter
a dignidade humana o
valor em ‘pé
de igualdade’ à
vida do homem”.
A reflexão de
Grócio de libertar
o homem das amarras
que o cercam
pode se sistematizar,
verdadeiramente, no papel
da Filosofia do
Direito se elegermos
o Direito Fraterno como
o sustentáculo capaz
de garantir a
efetiva igualdade entre as
pessoas, eliminando, conforme
Pozzoli, o direito à
igualdade baseado em
um poder
soberano, a quem todos
estão subordinados, porque o direito à
igualdade deixa de
ser efetivo em
decorrência das desigualdades
que ele mesmo impõe.
Em suma,
indagações sobre quem
lê o quê,
em quais condições
e com qual
efeito conectam as preocupações
do passado ao
presente. É imprescindível valorizarmos a
concepção de leitura
ou o significado
de ler. Goethe, célebre poeta alemão - autor
de Fausto - declarou: “Ler é a
mais difícil das artes”,
pois, a princípio, devemos selecionar
os autores pelo conteúdo da
obra e pela
correção da linguagem; depois, ler
com atenção, sem
pressa. Eis por
que se deve
ler Hugo Grócio.
1.
Reale, Miguel. Horizontes do direito e da história. 2ª ed. São Paulo, Saraiva,
1977.
2-
Telles Jr. Duas Palavras. In:
O que é filosofia? Barueri, SP: Manole, 2004.
3-
Pozzoli, Lafayette; Fernandes da Cruz, A. Augusto. Princípio Constitucional da dignidade humana e
o direito fraterno. Trabalho
publicado nos Anais do XIX Encontro
Nacional do CNPEDI, 2010.
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